A IMPORTÂNCIA DA MEDICINA LEGAL NA MEGAOPERAÇÃO POLICIAL NO RIO DE JANEIRO
A atuação da Medicina Legal após operações policiais, como a que aconteceu no dia 28 de outubro de 2025, no Rio de Janeiro, é essencial para assegurar transparência e rigor técnico nas investigações. Em cenários de grande complexidade, onde há múltiplas mortes e denúncias de confrontos intensos, o trabalho dos médicos legistas e peritos criminais se torna indispensável para esclarecer os fatos e dar credibilidade às apurações.
Por que a Medicina Legal e Perícia Médica é essencial nas operações policiais?
A Medicina Legal atua na interface entre a ciência e o direito, fornecendo provas técnicas que permitem identificar as circunstâncias exatas de cada morte. Em operações de grande porte, o número elevado de corpos e a presença de múltiplas cenas de crime exigem uma atuação coordenada entre equipes de perícia, legistas e autoridades investigativas.
O perito criminal e o médico legista são responsáveis por garantir que cada corpo seja corretamente identificado, que os vestígios sejam preservados e que a causa da morte seja determinada com precisão, evitando interpretações subjetivas ou precipitadas.
Quais são as principais etapas da atuação médico-legal em uma megaoperação?
A primeira etapa da atuação médico-legal em uma megaoperação policial é a identificação dos corpos, um processo que requer precisão e metodologia científica. São utilizadas técnicas de datiloscopia para comparação de impressões digitais, odontologia legal para análise de arcadas dentárias, antropologia forense em casos de corpos em decomposição ou carbonizados, e exames de DNA quando outros métodos não são suficientes. Essa etapa é fundamental não apenas para a individualização dos cadáveres, mas também para a notificação oficial das famílias e o registro civil das mortes.
Durante o exame cadavérico, o médico legista executa uma análise minuciosa da superfície corporal e das cavidades internas, registrando cada ferimento e trajetória de projétil. A recuperação de projéteis e fragmentos metálicos, quando possível, é feita com cuidado, pois esses elementos servirão para comparação balística com as armas apreendidas. A perícia balística, realizada em conjunto com os institutos de criminalística, permite determinar o tipo, calibre e distância do disparo, bem como a compatibilidade entre as lesões e as armas utilizadas, elementos que são cruciais para a investigação. De forma resumida, os projéteis e fragmentos metálicos recuperados durante a necrópsia são encaminhados ao setor de balística forense, onde são comparados com projéteis obtidos em testes de disparo realizados em laboratório com as armas utilizadas na operação. Em seguida, essas amostras são analisadas em um microscópio balístico comparador, que permite identificar microestriações, que são marcas únicas deixadas pelo cano da arma, e determinar com precisão se o projétil retirado do corpo foi disparado por determinada arma, estabelecendo assim a correspondência balística entre o ferimento e o armamento envolvido.
Na sequência, ocorre a determinação da causa e do mecanismo da morte, uma das etapas mais complexas da medicina legal. O médico legista avalia se o óbito decorreu de trauma perfurocontundente, asfixia, politraumatismo, hemorragia interna ou outros mecanismos fisiopatológicos. Essa análise é correlacionada com os relatos policiais, laudos de local de crime e registros fotográficos, a fim de verificar compatibilidade entre os ferimentos e a narrativa do confronto.
Outra função essencial da Medicina Legal é a avaliação de indícios de tortura, execução ou abuso. Essa etapa requer exame detalhado de lesões recentes e antigas, eventuais marcas de contenção física (como lesões em punhos e tornozelos), além da análise da distância dos disparos (avaliada por zonas de tatuagem de pólvora, fuligem e halo de abrasão). O objetivo é descartar sinais de violência intencional, seja por parte de agentes públicos ou de civis, comprovando a transparência das investigações.
A distinção entre lesões em vida e após a morte, tais como eventual decapitação ou desmembramento, de forma resumida, é feita pela análise dos sinais vitais presentes nas bordas do ferimento. Quando a lesão ocorre em vida, há sangramento intenso e infiltração de sangue nos tecidos, indicando que o coração ainda batia no momento da lesão. Já na lesões post mortem, o corte é mais limpo, com ausência de hemorragia ativa e tecidos pálidos, pois o sangue já não circulava. Essa diferenciação é essencial para compreender se o ato foi causa ou consequência da morte, e tem profundo valor jurídico na reconstrução dos fatos.
Os médicos legistas registram todos os achados em laudos fotográficos e descritivos, que são encaminhados às autoridades competentes. O conjunto dessas informações permite a reconstituição técnica dos fatos, assegurando transparência, rastreabilidade das evidências e o cumprimento dos protocolos internacionais de direitos humanos, tais como os Protocolos de Istambul e de Minnesota, amplamente utilizados em investigações de mortes em contextos de conflito armado ou ação policial.
Os Protocolos de Istambul e de Minnesota são guias internacionais da ONU que orientam a investigação médico-legal de mortes e torturas em contextos de conflito armado, violência institucional ou ação policial.
O Protocolo de Istambul foca na documentação de tortura e maus-tratos, padronizando o exame físico, psicológico e o registro das lesões de forma ética e científica, para garantir que as evidências sejam válidas em processos judiciais e de direitos humanos.
O Protocolo de Minnesota, por sua vez, estabelece diretrizes para investigar mortes potencialmente ilícitas, como execuções, mortes sob custódia ou em operações policiais. Ele define procedimentos para a preservação da cena, coleta de provas, necrópsia, fotografia forense e cadeia de custódia, assegurando que a investigação seja independente, imparcial e tecnicamente verificável.
Em conjunto, esses protocolos garantem que as perícias em mortes violentas sigam padrões internacionais de transparência, credibilidade e respeito aos direitos humanos, fortalecendo a confiança pública nas investigações.
Os Protocolos de Istambul e de Minnesota nem sempre podem ser seguidos integralmente em operações complexas. Fatores como número de vítimas, falta de recursos e riscos à equipe, por exemplo, limitam a sua aplicação total.
Investir em recursos para a Medicina Legal é essencial para garantir laudos precisos, investigações justas e respeito aos direitos humanos. A falta de estrutura, de recursos humanos e materiais pode comprometer a qualidade das perícias e provocar falhas, enquanto o investimento fortalece a Justiça e a credibilidade da investigação.
Como a Medicina Legal contribui para a transparência da investigação?
O trabalho pericial independente é o principal instrumento para evitar versões contraditórias e proteger a credibilidade das instituições. Os laudos elaborados pelos médicos legistas e peritos criminais serão encaminhados ao Ministério Público e ao Judiciário, servindo de base para a persecução penal. Essa atuação técnica garante que as conclusões sejam baseadas em fatos e evidências científicas, e não em suposições ou pressões externas.
Qual o papel do médico legista e do perito nesse contexto?
O médico legista é responsável pela análise de corpos e vestígios biológicos. Já o perito deve analisar outras circunstâncias técnicas da investigação.
Ambos desempenham papéis complementares, fortalecendo a busca pela verdade material e pela imparcialidade nas investigações.
Em nota publicada em 31/10/2025, o CFM elogiou o Instituto Médico-Legal pela condução exemplar das perícias realizadas na megaoperação policial no Rio de Janeiro. Destacou o rigor científico, a ética e a importância da Medicina Legal para o esclarecimento dos fatos e para a Justiça brasileira, reforçando sua relevância na defesa do Estado Democrático de Direito.
Em operações policiais, como a megaoperação no Rio de Janeiro, a Medicina Legal não apenas identifica vítimas e causas de morte, mas também contribui para a preservação do Estado de Direito. A atuação técnica dos médicos legistas e peritos é essencial para garantir que a apuração dos fatos seja conduzida com rigor científico, transparência e respeito às normas legais.
Foto: Pedro Kirilos.