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O USO DE ALGEMAS PELOS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA
18.01.25
Dr. Fernando Esbérard

O USO DE ALGEMAS PELOS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA

Sobre o uso de algemas e a recente Portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública Nº 855/2025, que regulamenta o Decreto nº 12.341, de 23 de dezembro de 2024, que estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos Profissionais de Segurança Pública, devemos considerar as seguintes observações, de ordem estritamente técnica.

Sobre o uso de algemas, o art. 18 do referido decreto menciona:

Art. 18. O uso de algemas será sempre excepcional, devendo observar os seguintes pressupostos, sem prejuízo do disposto na Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal:

I - resistência à ordem legal;

II - fundado receio de fuga do preso; e

III - perigo à integridade física própria ou alheia.

Vejamos o que diz a referida Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal:

"Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado."

Portanto, o uso de algemas deve seguir os princípios da necessidade, razoabilidade e proporcionalidade, conforme estabelecido pela própria Súmula Vinculante Nº 11 do STF. As justificativas para cada uma das situações mencionadas, incluindo situações de exame médico ou de exame de corpo de delito.

I - Resistência à ordem legal

A resistência pode ocorrer de diversas formas, desde a negativa de acompanhamento pelas autoridades até agressões físicas diretas contra os agentes responsáveis pela custódia. O uso de algemas se justifica para controlar o preso e evitar lesões a ele próprio, a terceiros e aos agentes da lei.

Exemplo: Durante a condução para o exame de corpo de delito, é extremamente comum o preso se recusar a seguir as ordens e tentar agredir os policiais ou médicos. Nesse caso, o uso de algemas impede danos físicos e garante a realização do exame.

II - Fundado receio de fuga do preso

O momento de transporte de um preso representa situação concreta de que o preso pode fugir e o uso de algemas se torna essencial para impedir a evasão e garantir a sua custódia. Isso pode ser baseado no histórico criminal, em tentativas prévias de fuga, ou em qualquer comportamento suspeito durante a escolta.

Exemplo: Um detento que já tentou fugir anteriormente está sendo levado para um exame médico ou de corpo de delito. O uso de algemas evita nova tentativa de fuga e garante a conclusão do procedimento.

III - Perigo à integridade física própria ou alheia

O preso pode representar risco tanto para si mesmo quanto para os profissionais responsáveis por sua escolta ou exame. Em exames médicos ou de corpo de delito, há diversos registros de casos em que detentos se tornam agressivos ou quando estão sob efeito de álcool ou substâncias psicoativas.

Exemplo: Um preso acusado de agressões ou de homicídio pode ter histórico de comportamento agressivo ou não é colaborativo com os policiais durante o transporte para exame médico ou de corpo de delito. O uso de algemas previne agressões contra os profissionais e permite que o exame seja realizado com segurança.

Dessa forma, o uso de algemas nesses contextos é legítimo e necessário para garantir a segurança dos envolvidos e a eficácia dos procedimentos legais, desde que observados os limites da legalidade e proporcionalidade.

O uso de algemas pode resultar em alegações de lesões e maus-tratos por parte do preso. Essas alegações podem ser verdadeiras, decorrentes do uso inadequado ou excessivo das algemas, ou podem ser manobras para questionar a legalidade da prisão ou tentar demonstrar abuso de autoridade. Em alguns casos, as lesões podem ser autoprovocadas pelo próprio preso como forma de criar evidências falsas contra os agentes responsáveis por sua custódia (Baltazar, 2009; Brasil, 2016; Farias et al., 2024; Machado and Vasconcelos, 2023)

Situações que podem ser alegadas pelo preso incluem aperto excessivo das algemas, tempo prolongado algemado, posição inadequada das algemas, uso desnecessário de algemas, uso de força desproporcional na contenção. Algumas das lesões podem ser autoprovocadas pelo próprio preso para acusar os agentes responsáveis. Algumas das estratégias mais comuns incluem:

- Escoriações e hematomas nos punhos: O próprio preso pode forçar repetidamente os punhos contra as algemas, gerando marcas e inchaço. Se a pele for sensível ou se houver uso prolongado, pode resultar em lesões mais evidentes.

- Contusões nos braços e rosto: O preso pode se debater contra a viatura, paredes ou móveis, alegando que as lesões foram causadas pelos agentes. Também pode se atirar no chão de forma controlada, simulando agressões.

- Autolesões por mordidas ou arranhões: Alguns presos arranham os próprios braços ou mordem as mãos, alegando que foram atacados pelos agentes. Essas lesões podem ser identificadas por sua localização e padrão, geralmente atípicos para agressões externas.

- Deslocamento proposital de articulações: Pessoas com hipermobilidade articular podem provocar luxações intencionalmente para alegar maus-tratos. Um preso com histórico de problemas no ombro pode deslocá-lo propositalmente e tentar culpar os agentes.

- Tentativa de asfixia ou autoflagelação: Em casos extremos, o preso pode tentar sufocar-se com as mãos algemadas ou bater a cabeça contra superfícies duras, simulando violência policial.

As alegações de lesões devem ser documentadas por exame de corpo de delito, que pode diferenciar lesões compatíveis com o uso das algemas de lesões autoprovocadas ou incompatíveis com a narrativa do preso. Filmagens e testemunhos dos agentes envolvidos podem ajudar a esclarecer se houve abuso ou se as queixas são infundadas. O uso adequado das algemas deve seguir os princípios de necessidade, proporcionalidade e razoabilidade, evitando excessos que possam ser questionados legalmente.

O Médico Assistente Técnico pode contribuir para o esclarecimento da verdade em processos judiciais ao analisar criticamente os laudos periciais oficiais, verificando a coerência das conclusões com os achados médicos e científicos. Sua atuação inclui a identificação de inconsistências, a diferenciação entre lesões autoprovocadas e aquelas resultantes de ação de terceiros, e a elaboração de pareceres técnicos que auxiliam na correta interpretação das provas. Além disso, pode esclarecer dúvidas dos magistrados e advogados, garantindo que aspectos médicos sejam devidamente compreendidos no contexto jurídico.

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Autorizada a reprodução total ou parcial deste artigo, desde que citada a fonte como referência, da seguinte maneira:

Fonte: www.fernandoesberard.com

Referências bibliográficas:

- Brasil. Ministério da Saúde. (2016) VIVA: Instrutivo. Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde.

- Machado, M. R., & Vasconcelos, N. P. D. (2023). Letalidade prisional: uma questão de justiça e de saúde pública. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, In stituto de Ensino e Pesquisa Insper, Colaboração Fundação Getúlio Vargas.

- Farias, M., Maftum, M. A., Kaled, M., Ferreira, A. C. Z., Haeffner, R., Capistrano, F. C., & Zanchettin, L. A. (2024). Tentativa de suicídio em mulheres privadas de liberdade em unidade prisional. Cogitare Enfermagem, 29, e92132.

- Baltazar, M. D. A. L. (2009). Contributo para a caracterização das lesões auto-infligidas nas perícias médico-legais: correlação com os antecedentes da vítima (Master's thesis).

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