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QUAIS AS REPERCUSSÕES DA LEI Nº 15.139/2025 PARA O DIREITO MÉDICO, NA HUMANIZAÇÃO DO LUTO MATERNO?
24.05.25
Dr. Fernando Esbérard

QUAIS AS REPERCUSSÕES DA LEI Nº 15.139/2025 PARA O DIREITO MÉDICO, NA HUMANIZAÇÃO DO LUTO MATERNO?

A Lei nº 15.139/2025, institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, voltada ao atendimento humanizado de mulheres e famílias que enfrentam a perda gestacional, fetal ou neonatal. Traz importantes implicações para o Direito Médico, tanto na esfera cível quanto administrativa, abrangendo ações por erro médico, responsabilidade civil, danos morais, direito à informação e políticas públicas de saúde. Traz implicações também para a Medicina Legal e Perícias Médicas, além da atuação do Médico Assistente Técnico.

A legislação define os objetivos e diretrizes da Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, como a garantia de acesso à saúde, o desenvolvimento de mecanismos para qualificar a atenção e a promoção de intercâmbios de experiências. Também estabelece as competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na implementação e fiscalização da política, além de dispor sobre o registro civil de criança nascida morta. A seguir, destacaremos os principais pontos:

- Impacto Geral da Lei

Promove o reconhecimento institucional do luto materno, ampliando a visibilidade e a responsabilização em casos de óbito fetal.

Reforça a necessidade de atenção multiprofissional e humanizada, inclusive nas avaliações periciais.

Contribui para a formação de jurisprudência especializada e para a consolidação de parâmetros técnico-legais nos casos de mortalidade perinatal.

1. IMPLICAÇÕES PARA O DIREITO MÉDICO

- Ampliação do Escopo de Atuação Jurídica em Casos de Óbito Fetal e Neonatal

A nova lei traz reconhecimento formal ao sofrimento materno e parental;

Fortalece pleitos por danos morais e materiais decorrentes de perdas gestacionais mal assistidas;

Amplia o campo de atuação para ações indenizatórias, mesmo em casos de perda fetal sem viabilidade anterior ao parto, antes muitas vezes judicialmente desconsideradas;

Favorece ações com base no direito à informação, quando houver falhas na comunicação médica ou ausência de esclarecimento quanto à causa do óbito.

- Instrumentalização legal para responsabilização civil e institucional

A Lei nº 15.139/2025 impõe diretrizes claras à rede de saúde pública e privada, o que oferece ao advogado base normativa para:

Alegar descumprimento de políticas públicas de saúde materno-infantil;

Fundar teses de responsabilidade objetiva de entes públicos ou de hospitais pela falta de acolhimento, suporte psicológico ou explicações técnicas adequadas;

Enfatizar a ausência de protocolos clínicos ou de condutas padronizadas, especialmente em locais onde não há Serviços de Verificação de Óbito (SVO) adequados.

- Reforço ao direito à verdade e ao luto digno

O advogado pode utilizar a lei para sustentar:

A necessidade de esclarecimento da causa mortis, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e da integralidade da assistência em saúde;

A obrigatoriedade da emissão adequada de atestado de óbito e da realização de exames perinatais ou autópsias clínicas pelos médicos patologistas;

A defesa da humanização da assistência ao luto como um direito fundamental do paciente e da família, inclusive nos protocolos de pós-parto e alta hospitalar.

2. IMPLICAÇÕES PARA A MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS

a) Necessidade de maior qualificação dos laudos em casos de óbito fetal e neonatal:

Os médicos patologistas, pediatras ou ginecologistas deverão elaborar laudos mais detalhados sobre causa da morte fetal ou neonatal, incluindo:

Data e hora estimadas do óbito;

Possíveis fatores maternos, fetais ou obstétricos;

Relação entre assistência prestada e desfecho.

Há reforço à importância do uso de protocolo padronizado de necropsia fetal e neonatal, com exames complementares, quando indicados (placentário, histopatológico, toxicológico, genético).

b) Valorização do prontuário e cadeia de decisões clínicas:

A análise pericial reforça a atenção ao fluxo de atendimento obstétrico, desde o pré-natal até o parto e puerpério, para verificar se houve omissões, atrasos ou falhas.

c) Ampliação do escopo pericial:

A perícia pode ser solicitada não só para elucidar a causa da morte, mas também para avaliar:

Impactos psíquicos no luto materno/paterno;

Eventual nexo com falhas no atendimento (erro médico e/ou negligência institucional).

3. IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO DO MÉDICO ASSISTENTE TÉCNICO

a) Participação ativa na defesa ou questionamento técnico em ações judiciais:

Deverão oferecer análises críticas de laudos necroscópicos, prontuários, exames e condutas obstétricas.

É essencial o domínio das diretrizes da assistência obstétrica e perinatal e dos protocolos de atendimento ao luto perinatal.

b) Formulação de quesitos específicos:

Devem formular quesitos que:

Esclareçam se houve ou não perda evitável;

Investiguem a adequação da assistência médica;

Identifiquem fatores de risco devidamente tratados ou ignorados;

Avaliem o suporte emocional dado à gestante e à família.

c) Responsabilidade ética e sensibilidade:

Devem atuar com sensibilidade e empatia, considerando o sofrimento emocional das partes envolvidas, sobretudo da mãe.

d) Possível ampliação da atuação:

Poderão ser convocados também para avaliação dos danos psíquicos e/ou psiquiátricos (transtornos de luto prolongado, depressão pós-óbito fetal, etc).

- Impactos do Não Cumprimento da Portaria nº 1.405/2006 (Serviços de Verificação de Óbito - SVO) na Política Nacional de Humanização do Luto Materno (Lei nº 15.139/2025)

A Portaria nº 1.405, de 29 de junho de 2006, do Ministério da Saúde, instituiu a Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbito (SVO), com o objetivo de garantir a elucidação diagnóstica dos óbitos ocorridos por causas naturais mal definidas. No entanto, a não efetivação plena desta rede em diversos municípios brasileiros compromete diretamente os propósitos da Lei nº 15.139/2025, que estabelece a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental.

Um dos pilares fundamentais dessa política é a garantia de acesso à informação clara e qualificada sobre a causa da morte, especialmente nos casos de óbito fetal ou neonatal. O sofrimento materno e familiar diante da perda gestacional é amplificado pela ausência de respostas concretas quanto às circunstâncias que levaram ao óbito. O não funcionamento adequado dos SVOs resulta frequentemente na emissão de atestados de óbito com causa genérica "indeterminada" ou "desconhecida", o que representa uma falha grave na assistência ao luto e um desrespeito ao direito à informação e à verdade.

A ausência do esclarecimento técnico-científico da causa mortis compromete não apenas o processo de elaboração do luto, como também fragiliza o acesso a direitos, como:

Requisição de exames complementares;

Investigação de eventuais falhas assistenciais;

Avaliação do risco reprodutivo em futuras gestações;

Identificação de doenças hereditárias ou evitáveis;

Reconhecimento de responsabilidades em casos de erro médico ou negligência institucional.

A Portaria nº 1.405 visa melhorar a qualidade das informações sobre mortalidade, o que é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas baseadas em evidências. A falha na implementação do SVO resulta em dados incompletos sobre óbitos fetais e neonatais, o que prejudica a elaboração de estratégias preventivas previstas na Lei nº 15.139, como o incentivo a pesquisas e boas práticas (Art. 4º, inciso IV). Isso perpetua um ciclo de desinformação, limitando a capacidade do sistema de saúde de reduzir riscos futuros.

- Sofrimento intensificado das mães e familiares

O não esclarecimento da causa do óbito, decorrente da ineficiência ou ausência de serviços de SVO, tem um impacto direto no sofrimento das mães e familiares:

Culpa e autoquestionamento: Sem respostas claras, muitas mães internalizam a culpa pela perda e a dúvida sobre a responsabilidade pela morte do bebê.

Isolamento social: A falta de acolhimento e respostas pode levar ao isolamento, já que o luto materno é frequentemente silenciado ou minimizado. Isso contraria o objetivo da Lei nº 15.139 de promover um acolhimento digno.

Trauma adicional: A ausência de informações claras pode exacerbar traumas, especialmente quando mães são colocadas em alas com parturientes que celebram nascimentos, uma prática que a Lei nº 15.139 busca evitar (Art. 9º, inciso IV). A desinformação agrava a sensação de desrespeito e desumanização.

A não implementação plena da Portaria nº 1.405/2006 constitui um obstáculo direto à concretização da Política Nacional de Humanização do Luto Materno. Ao privar mães e famílias do esclarecimento das causas do óbito fetal ou neonatal, o Estado falha em assegurar dignidade, justiça e acolhimento em um dos momentos mais dolorosos da vida. Para que a Lei nº 15.139/2025 seja eficaz, é indispensável o fortalecimento e a ampliação dos Serviços de Verificação de Óbito como instrumento de direito à verdade, à saúde e à reparação.

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Fonte: www.fernandoesberard.com

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