REPERCUSSÕES DA DECISÃO DO STJ NO RESP 2.173.636-MT NAS AÇÕES POR ERRO MÉDICO EM CIRURGIA PLÁSTICA
Recentemente, a decisão no Processo REsp 2.173.636-MT, relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2024, por unanimidade (DJEN 18/12/2024), trouxe mudanças significativas nas ações por erro médico em Cirurgia Plástica estética não reparadora, considerado ramo do Direito do Consumidor. Inicialmente, traremos a transcrição da decisão e, em seguida, faremos uma análise crítica e técnica sobre as repercussões para a Perícia Médica e para a Assistência Técnica na defesa do Cirurgião Plástico e também na atuação para a Parte Autora (Paciente/Vítima)
Processo REsp 2.173.636-MT - Decisão
Tema
Ação de indenização por erro médico. Cirurgia plástica estética não reparadora. Resultado desarmonioso segundo o senso comum. Responsabilidade subjetiva. Inversão do ônus da prova. Inexistência de causa excludente de responsabilidade. Dever de indenizar configurado.
Destaque
Em se tratando de cirurgia plástica estética não reparadora, caso o resultado seja desarmonioso, segundo o senso comum, presume-se a culpa do profissional e o dever de indenizar, ainda que não tenha sido verificada imperícia, negligência ou imprudência.
Informações do Inteiro Teor
Na origem, cuida-se de ação de indenização por erro médico, devido à cirurgia plástica (mamoplastia) não ter alcançado o resultado esperado pela paciente.
Inicialmente, cumpre registrar que, em se tratando de cirurgia plástica estética não reparadora, existe consenso na jurisprudência e na doutrina de que se trata de obrigação de resultado. Diante do que disposto no art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a responsabilidade dos cirurgiões plásticos estéticos é subjetiva, havendo presunção de culpa, com inversão do ônus da prova.
Ademais, o uso da técnica adequada na cirurgia estética não é suficiente para isentar o médico de culpa, nos casos em que o resultado da operação não foi aquele desejado pelo paciente. Assim, nessas situações, com a inversão do ônus da prova, entende-se que a culpa do médico seria presumida e a ele caberia elidir essa presunção, mediante prova de ocorrência de algum fator imponderável, apto a eximi-lo do seu dever de indenizar por não ter alcançado o resultado pretendido com a cirurgia, tais como caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
Embora o art. 6º, inciso VIII, do CDC seja aplicado aos cirurgiões plásticos, a inversão do ônus da prova, prevista neste dispositivo, não se destina apenas à comprovação de fator imponderável que possa ter contribuído para o resultado negativo da cirurgia, mas, principalmente, autoriza que o cirurgião faça prova do resultado satisfatório alcançado, segundo o senso comum, e não segundo os critérios subjetivos de cada paciente.
Logo, em se tratando de cirurgia plástica estética não reparadora, quando não tiver sido verificada imperícia, negligência ou imprudência do médico, mas o resultado alcançado não tiver agradado o paciente, somente se pode presumir a culpa do profissional se o resultado for desarmonioso, segundo o senso comum.
No caso, como as mamas da recorrida não ficaram em situação esteticamente melhor do que a existente antes da cirurgia, ainda que se considere que o cirurgião plástico tenha feito uso de técnica adequada, como (i) ele não comprovou que o resultado negativo da cirurgia tenha se dado por algum fator alheio à sua vontade, a exemplo de reação inesperada do organismo da paciente e (ii) como esse resultado foi insatisfatório, segundo o senso comum, há dever de indenizar neste caso.
ANÁLISE CRÍTICA E TÉCNICA DO PROCESSO RESP 2.173.636-MT
Sob o ponto de vista da Perícia Médica e da Assistência Técnica, a decisão proferida pela Quarta Turma do STJ no REsp 2.173.636-MT traz aspectos importantes que merecem uma análise crítica e técnica:
1. Em relação à Perícia Médica
a) Presunção de culpa mesmo sem imperícia, negligência ou imprudência
A decisão reconhece a responsabilidade do profissional mesmo na ausência de erro técnico clássico (imperícia, imprudência ou negligência), o que impacta diretamente o papel da perícia médica. A perícia, nesses casos, não se limita a avaliar a técnica empregada, mas também é convocada a analisar o resultado estético em si, sob o prisma do "senso comum", o que extrapola o campo tradicional da medicina legal e pericial.
b) Avaliação de resultado pelo "senso comum"
A utilização do critério do "senso comum" para aferição da qualidade do resultado estético pode gerar subjetividades e insegurança pericial. O laudo médico-pericial, por sua natureza, deve ser técnico e baseado em critérios objetivos, como simetria, proporções anatômicas, cicatrizes, presença de complicações, entre outros. A expectativa do paciente, embora importante, não pode ser parâmetro técnico isolado. Isso pode gerar conflito entre a objetividade pericial e a percepção social do resultado cirúrgico.
c) Limites da prova técnica
A perícia médica poderá apontar ausência de erro técnico, mas, conforme a decisão, isso não necessariamente exime o profissional da responsabilidade. Assim, ainda que o perito conclua pela adequação do ato médico, a culpa pode ser presumida se o resultado for considerado desarmônico por critérios não exclusivamente técnicos. Isso relativiza o peso do laudo pericial no convencimento do juízo.
2. Em relação à Assistência Técnica para a Parte Autora (Paciente/Vítima)
a) Fortalecimento da posição da vítima com a inversão do ônus da prova
A decisão consolida o entendimento de que, em se tratando de Cirurgia Plástica estética (não reparadora), há presunção de culpa do profissional quando o resultado for desarmonioso segundo o senso comum. Isso significa que a autora não precisa provar diretamente a existência de erro técnico, o que representa um avanço importante para a tutela dos direitos do consumidor na área da saúde estética.
A atuação do assistente técnico da parte Autora se beneficia dessa inversão: ao invés de tentar identificar falhas técnicas complexas (imperícia, imprudência ou negligência), pode concentrar sua análise em demonstrar que:
- O resultado final foi objetivamente pior ou esteticamente desarmonioso em relação ao estado prévio;
- O dano estético ultrapassa o risco habitual ou aceitável do procedimento;
- Houve sofrimento físico, emocional ou social decorrente do insucesso.
b) Ênfase na documentação fotográfica e padrões de proporcionalidade
O Médico Assistente Técnico da Autora pode valer-se de documentação fotográfica comparativa, laudos de imagem, parâmetros anatômicos usuais e referências de simetria e proporção aceitas na literatura médica, as normas do CMF ou nas diretrizes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Esses elementos ajudam a traduzir tecnicamente o conceito de "desarmonia segundo o senso comum". Além disso, pode usar escalas validadas de avaliação estética ou funcional (como escalas de satisfação pós-operatória ou de dano estético) para fundamentar o seu Parecer Médico-Legal.
c) Contextualização do sofrimento e do dano estético
Como a cirurgia estética está diretamente ligada à autoimagem e ao bem-estar psicossocial do paciente, o Médico Assistente Técnico, especialista devidamente capacitado em Cirurgia Plástica e em Medicina Legal e Perícia Médica, pode contribuir demonstrando que o resultado impactou negativamente a autoestima, a vida social ou profissional da parte Autora, ainda que o ato cirúrgico tenha seguido uma técnica reconhecida. O Parecer Médico-Legal pode citar a literatura médica sobre a relação entre falhas estéticas e sofrimento psíquico pós-cirúrgico. Nesse contexto, o Médico Assistente Técnico pode se valer dos relatórios do Médico Psiquiatra ou do Psicológico, embasando os pedidos de danos morais de uma forma mais estratégica.
d) Rebater argumentos de defesa baseados em riscos esperados ou "expectativas exageradas"
Outro papel da assistência técnica da parte Autora é rebater narrativas de defesa que tentem atribuir o resultado negativo a riscos ordinários do procedimento, a expectativas subjetivamente exageradas da paciente ou a fatores externos. O Médico Assistente Técnico pode esclarecer, com base em literatura médica, que certos resultados não podem ser considerados "efeitos colaterais comuns" de uma técnica bem executada. Além disso, uma simetria básica, a ausência de retrações graves, cicatrizes hipertróficas ou assimetrias grosseiras são resultados esperadas como um mínimo aceitável em cirurgia estética. A paciente deve ter sido previamente informada e esclarecida sobre sua expectativa legítima e realista diante da proposta cirúrgica apresentada pelo cirurgião plástico.
3. Em relação à Assistência Técnica para a Defesa do Cirurgião Plástico
a) Ampliação do ônus da defesa técnica
Do ponto de vista da assistência técnica (especialmente no lado da defesa do profissional), a decisão impõe maior complexidade na produção de prova contrária. O médico ou sua defesa técnica deve demonstrar não apenas que utilizou técnica adequada, mas também que o resultado final é, sob critérios sociais amplos, aceitável. Deve demonstrar também que eventuais insucessos decorreram de fatores alheios à sua atuação (reação do organismo, aderência tecidual atípica, má evolução cicatricial, etc.).
Essa prova, muitas vezes, depende de documentação pré e pós-operatória detalhada, fotografias padronizadas, anamnese e evolução clínica bem registradas, que nem sempre são produzidas com o rigor necessário. Isso ressalta a importância do prontuário médico bem elaborado e da contratação de assistente técnico especialista em Cirurgia Plástica desde o início do litígio (consultar o RQE no site do CFM em "busca por médicos").
b) Estratégia probatória adaptada ao CDC
A inversão do ônus da prova impõe à assistência técnica uma postura ativa. O assistente técnico deve atuar não apenas rebatendo os achados periciais, mas também construindo um Parecer Médico-Legal favorável ao profissional, inclusive abordando fatores extrínsecos que possam ter interferido no resultado. É essencial dominar aspectos médico-legais e consumeristas, dado o enquadramento do caso no Direito do Consumidor.
Conclusão
A decisão do STJ no REsp 2.173.636-MT é bastante relevante para a atuação pericial e da assistência técnica, especialmente em demandas que envolvem cirurgia plástica estética não reparadora. Ao reconhecer que, nesses casos, o resultado final insatisfatório ? quando considerado desarmonioso segundo o senso comum ? pode ensejar responsabilização civil, mesmo na ausência de erro técnico clássico, o julgado reforça a centralidade do resultado cirúrgico objetivo como elemento de prova. Nesse contexto, tanto a perícia médica quanto a assistência técnica devem:
- Expandir sua análise para além da técnica empregada, avaliando o desfecho da cirurgia em si;
- Utilizar parâmetros anatômicos, estéticos e visuais aceitos na prática médica e reconhecidos socialmente;
- Traduzir tecnicamente a frustração estética alegada, contextualizando suas repercussões físicas, funcionais e emocionais;
- Apoiar o juízo na caracterização do insucesso cirúrgico como desarmonioso, com base em critérios objetivos;
- Demonstrar, quando cabível, a inexistência de fatores alheios ao ato médico que justifiquem o resultado adverso (no caso da defesa);
- Estabelecer estratégias probatórias eficazes desde a fase extrajudicial, com ênfase na documentação clínica, registros fotográficos e avaliações comparativas.
Trata-se, portanto, de uma mudança de paradigma com impacto direto tanto na elaboração dos laudos médico-periciais quanto na atuação dos médicos assistentes técnicos, exigindo uma articulação cuidadosa entre saber técnico-científico, percepção social do dano estético e fundamentos jurídicos próprios do Direito do Consumidor. Para a parte autora, essa decisão amplia o campo de argumentação técnica, permitindo que a insatisfação com o resultado estético, quando objetivamente constatada, seja convertida em um pleito indenizatório sólido e tecnicamente embasado.
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